A febre do ouro é um ciclo periódico
Entende-se por actividade periódica aquela que se repete após um determinado período de tempo. O ciclo pode ter duração fixa ou depender de vários factores e ter, portanto, uma duração incerta. Até se pode extrapolar para o caso em que o actor principal muda de ciclo em ciclo.
Na mundo há inúmeros exemplos de actividades periódicas. Vão desde as mais básicas unidades fabris, passando pelas ondas e mesmo a Ciência e a História se têm aliado em descobrir padrões na actividade sismica. Neste momento deparo-me com um padrão que preferia, se calhar, desconhecer.
A febre do ouro na Califórnia em meados do século XIX trouxe o desenvolvimento, trouxe leis e economia, deu origem mesmo ao sonho americano, mas os nativos sofreram com a invasão das suas terras, bem como o ambiente que se viu prejudicado devido à actividade mineira.
O ouro empresta então o seu nome à nova mina de dinheiro: o ouro negro (petróleo), que apesar de ter surgido sensivelmente na mesma altura como fonte de energia, só mais tarde veio a ter impacto na economia mundial. E nada melhor do que averiguar esse impacto se por acaso o petróleo faltasse, o que aconteceu durante a crise do petróleo. É uma arma se calhar mais mortífera que muitas armas reais. Até que nos dias de hoje, as alterações climáticas e ainda a indeterminação existente relativamente à duração das reservas elevam o nível de preocupação dos vários governos.
Tudo isto nos leva a que sejam encontradas alternativas. São elas as tão faladas energias alternativas. Desde aquelas que usam recursos directamente disponíveis na mãe Terra àqueles que manipulam bens para obter um fim. E eis que surge então aquilo a que eu já denomino ouro alcóolico.
O famoso bioetanol entra em cena. Uma rampa que chega bem alto para um país em desenvolvimento como o Brasil. Mas vamos por partes. O bioetanol pode ser aproveitado a partir da cana de açúcar ou do milho e é um substituto da gasolina. Sendo bens cultiváveis, os países cuja aptência para a sua agricultura seja superior têm aqui uma oportunidade. Por um lado as temperaturas amenas e por outro as culturas geneticamente alteradas podem permitir que sejam feitas duas culturas por ano. O processo que utiliza a cana de açúcar permite repor a energia gasta na produção do biocombustível e ainda gerar até mais 7 vezes essa energia (segundo os optimistas, pois há quem defenda e sustente que este balanço é negativo). Será então uma mina de ouro para diminuir a dependência do petróleo?
Para esta questão a resposta pode ser sim. Mas se perguntarmos quais são os benefícios e malefícios, parece que o teatro muda de cena. O braço de ferro é prolongado e os apoiantes de cada lado tornam-se cada vez mais, mais informados, mais armados e mais ferozes. O inevitável? Conflitos à escala mundial: o aumento do preço dos alimentos, a devastação de áreas protegidas para cultivo das espécies em causa, a sobre-utilização de água e nutrientes, a exploração de pobres agricultores, a obsolescência de milhões de veículos face a essa potencial nova realidade (só aguentam misturas bioetanol-gasolina até 10% em álcool) os pactos entre países que geram conflitos com outros, as jogadas políticas em favor de uma ou outra realidade.
No Brasil impera o ridículo que é a disparidade entre a falta de leis regulamentadoras e que fomentam o desenvolvimento positivo para todos e a escravatura feita aos "cortadores de cana", que ganham 9€ por cada 10 toneladas (leu bem) de canas cortadas. O mais ridículo é se acrescentar que as canas geneticamente alteradas são mais leves e que este preço por peso não mudou: implica que se ganha o mesmo por muito mais esforço.
O Brasil está a apostar forte em ser líder mundial nesta indústria. Uma análise segundo a minha formação de engenheira química leva-me a afirmar que o benefício de ter a própria cultura, o clima que permite mais do que uma cultura por ano, mão de obra barata, país em desenvolvimento, conhecimento interno, vastas zonas rurais, acordos que sustentam o desenvolvimento e ambientes económicos que dinamizam a entrada de indivíduos ou empresas que queiram investir no ramo são factores preponderantes na valorização do sim ao bioetanol.
Mas hoje em dia não são só os conhecimentos de índole industrial, económica e geo-estratégica que pesam. Os factores social e ambiental são, a meu ver, imensuráveis. Quanto vale uma vida humana? Quanto vale 1 ha de floresta virgem? Além disso, as emissões de CO2 são sensivelmente as mesmas que às da gasolina.
O que ganhamos afinal? Mais um recurso, mais um potencial de marcado, mais um potenciador de conflitos e a ausência de uma solução para um dos problemas do sector energético. Talvez seja melhor saltar já para o próximo ciclo, o risco é, talvez, menor do que o potencial benefício. Hidrogénio? Fusão nuclear? Anyone?
Referências, para saber mais e curiosidades:
- Febre do Ouro: http://en.wikipedia.org/wiki/California_Gold_Rush
- Petróleo: http://pt.wikipedia.org/wiki/Petr%C3%B3leo e http://pt.wikipedia.org/wiki/Crise_do_petr%C3%B3leo
- Bioetanol: http://en.wikipedia.org/wiki/Bioethanol e também o artigo que serviu de inspiração ao tema (que já me tinha ocorrido, só ainda não tinha dado a forma final) está na Revista Visão nº 764 de 25 de Outubro de 2007 (semana passada). É uma revista que leio habitualmente e que gosto de descobrir com tempo, acompanhada de um café ou descansada no sofá. Esta é só sobre o tema da moda: tudo o que se intitula por amigo do ambiente. Vale a pena, mas cada um deve tirar as suas conclusões, além de se auto-avaliar.
- Pegada ecológica: http://www.earthday.net/footprint/index.asp
- Happy planet index: http://www.happyplanetindex.org/
1 comentário:
wednesday...
Muito bem mandado este post. Algumas das questões que colocas estão na ordem do dia (principalmente a discussão sobre o bioetanol e as suas consequências na agricultura mundial com a subida dos preços dos cereais) e precisam de ser debatidos com seriedade. Muito bem!
É importante que cada um de nós faça a sua parte!
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