terça-feira, fevereiro 13, 2007

Procura-se

Descer escadas, subir escadas. Um lampião espreita à esquina que se segue, mas ainda se vê no chão a sombra do lampião que ficou na esquina anterior. Ruas estreitas, algo escuras e enigmáticas. Com medo ou não de se passar por elas, não vão as paredes afunilar justamente na nossa cabeça. Um vulto mexendo-se, levantam-se olhos a medo. Qual impressão deixada por umas ceroulas penduradas num estendal centenário, esvoaçando, roçando uma parede em azulejaria, sujando-se mais do que largando a sua humidade intrínseca. Virar a próxima esquina, ruela mais larga. Simetria enganadora, qual será a esquina certa? Olhar à direita e à esquerda, ver quando há sinal de reconhecermos um novo ponto de referência. Pausa. Fechar olhos e imaginar um mapa estendido sobre uma mesa. Imensidão de quadradinhos com nomes encruzilhados. Procura-se um número, uma rua, ou será uma travessa? Nomes cuja memória enaltece algo ou alguém já distante do nosso contexto actual. Ainda ouço um suspiro de alguém murmurar "quando a rua do adro era ainda um caminho de cabras". Deve ser um suspiro trazido pelo vento, pois a encruzilhada mais velha que cem anos dobrados, mais velha é que um e qualquer habitante. Abrir os olhos, com eles um novo lampião alumia uma esquina antes escondida da vista. Talvez uma falha de luz não tenha permitido vislumbrar um enésimo recanto tão procurado com o olhar. Aproximar, reconhecer e sorrir. Olha-se a Lua num momento, lá no alto, parada, sobre todos e sozinha ao mesmo tempo. Uma outra casa repleta de estendalinhos azulejados. Uma delícia para quem vê por uma única vez, um orgulho para quem vê num dia qualquer, mas apenas vê sempre o pormenor ao lado. No cimo do prédio um aglomerado de antenas velhas, talvez ainda transmitindo um ou outro sinal. Há vida nestas ruas, há sempre uma nova esquina para orientada para um ponto cardeal à escolha. Se realmente somos um rato bem ensinado, lá ao fundo, depois de mais umas escadinhas alisadas pelos anos, há uma aberta, há uma vista, um rio, uma ponte. Lisboa.

2 comentários:

AngeL disse...

Ola :)

Realmente o teu post tá muito bom :)

É uma boa descrição de Lisboa.
Parabéns!

Beijo,
Vera M.

btw, temos de almoçar de novo :) @

wednesday disse...

Obrigada.

Sou uma amadora na arte da escrita, mas gosto muito! Aqui fica um exemplo. Até ao dia que consiga realizar o meu sonho de escrever um livro... Um dia!