As leituras (políticas e não só) do valor da abstenção
Para quem assitiu aos vários programas que acompanharam a contagem dos votos resultantes do referendo sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez, ouviram sem dúvida a famosa pergunta "Que leitura faz do valor da abstenção?" dirigida aos mais variados analistas políticos, comentadores e defensores de ambos os lados.
A abstenção ficou nos 56,39%. Se você fosse um leitor (pode ser de DVD) qual seria a sua leitura? ;)
Aqui ficam várias hipóteses de leituras:
- (ler) cinquenta e seis vírgula trinta e nove por cento;
- estava a chover e o filme de domingo à tarde enrolado num cobertor soou-me muito melhor do que o apelo do Excelentíssimo Senhor Presidente da República e afins;
- tive uma festa de aniversário;
- não sei do cartão de eleitor;
- tropecei numa casca de banana quando estava a fazer jogging às 6 da manhã e caí mesmo na esquina do passeio. Para piorar as coisas, passou um camião na estrada ao lado e encharcou-me todo até à espinha. Depois de me conseguir levantar com as dores e ter conseguido voltar a casa ao fim de 2 horas, não havia ninguém em casa e eu não tinha chave. Estavam todos na missa. Quando alguém apareceu, blá blá blá (desculpa esfarrapada).
Acho um bocado "esforçado" algumas das leituras ditas políticas que ouvi no passado domingo. Como por exemplo o valor da abstenção traduzir o sentimento dos portugueses de que há matérias mais importantes para serem discutidas que o aborto. Sinceramente, e na minha posição de cidadã, acho que simplesmente quem não foi não se preocupou minimamente (já para não falar da quantidade de idosos que não se consegue deslocar). Quase que se deu mais importância à abstenção do que ao resultado em si. Quem se deu ao trabalho de ponderar a sua decisão e foi votar vê-se ultrapassado por quem simplesmente não quer saber do que quer que seja. Se para eleger governo, orgãos municipais e presidente da república não há a exigência de 50% dos votos para que seja efectivo, então para mudar uma lei é?...
2 comentários:
Em relação a este tema polémico continuamos em desacordo. Mantenho a opinião que nem sequer deveria ter havido novo referendo por considerar que não passou tempo suficiente após o último. Como já esperava, e tive oportunidade de o dizer aqui, nem 50 % das pessoas foram votar. É óbvio que isso demonstra o alheamento da população que, com tantos problemas, não reconheceu o aborto como um dos principais.
Em relação à vitória do SIM, não há muito a dizer. Era esperada e, na minha opinião, essa vitória, por cerca de 700 mil votos, ficou a dever-se aos jovens. Sem dúvida nenhuma, foram os jovens quem mais contribuiu para a vitória do SIM. Engraçado constatar a tendência de voto dos portugueses, distrito a distrito. No Norte e Ilhas o NÃO ganhou. No Sul, o SIM ganhou esmagadoramente. Houve logo quem viesse justificar essa tendência com motivos religiosos. Cheguei, inclusive, a ouvir pessoas dizer que no norte as pessoas são influenciadas por padres e afins. Será que as pessoas conhecem o país onde vivem? Será que as pessoas do Norte são estúpidas? Eu não acho. Noto é uma diferença cultural entre ambas as regiões. Digam-me, as pessoas por serem mais conservadoras, terão que estar forçosamente erradas e ser rotuladas de retrógradas? Ouvi argumentos de pessoas que votaram SIM e NÃO. Muitos deles nem sequer sabiam bem o que iam votar. Alguns nem sabiam que o aborto em Portugal já era permitido em três casos específicos: violação, má formação do feto e perigo de saúde para a mãe.
No entanto, o SIM ganhou e mesmo não sendo juridicamente vinculativo, o resultado é politicamente vinculativo. Ponto final parágrafo. Quanto a isso não há a menor dúvida. Mas, após o referendo, onde estão os defensores do SIM que, e passo a citar, afirmaram que iam criar mecanismos de apoio, aconselhamento e reflexão para as mulheres que ponderam a Interrupção Voluntária da Gravidez? Agora o discurso mudou: o aborto já não é um mal menor, é um bem a financiar por todos. É honesto dizer uma coisa antes do referendo, e outra depois? Não creio. O que os políticos se preparam para aprovar não traduz o que os portugueses sufragaram. Os portugueses votaram favoravelmente a despenalização do aborto, não a sua nacionalização. O aborto não pode ser banalizado nem constituir mais um método contraceptivo.
Curioso será perceber como é que o Serviço Nacional de Saúde poderá fazer frente à escalada de abortos que se avizinham…
Bem, este meu post era mais para ser irónica quanto ao processo. Eu por mim acho que os deputados deviam ter decidido entre eles e arrumava-se o assunto.
Também não acredito que as opiniões tenham mudado muito, só desta vez a mobilização foi diferente.
E concordo que a maioria das pessoas não estava dentro da situação actual do país e acredito que muitos dos "sim" foi talvez por acharem que há situações injustas em que deveria serpossível fazer aborto, mas essas situações já estavam legisladas. Daí toda esta minha brincadeira à volta de uma coisa chamada leituras políticas... :)
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