Doce ou travessura?
Quando eu era pequenita a tradição era ir de casa em casa pedir os "Santinhos". No dia 1 de manhã lá íamos de bolsa em punho, daquelas de trapos, pelas casas da aldeia. A vizinha Silvina dava uns escudos, a D. Elvira e a D. Perpétua eram umas mãos largas. Noutros lares mais humildes recebíamos um rebuçado ou um punhado de castanhas para juntar ao magusto.
Também havia quem fizesse a delícia de dar um chocolate ou quem tivesse comprado um bom lote de pastilhas Gorila com 100$00 (ainda me lembro de elas custarem 2$50).
Desde as minhas primeiras ingressões pela Capital nunca me apercebi que se fizesse tal coisa. Os pais protegem os filhos das inseguranças da rua. Mas nas idades ligeiramente acima a influência americana é notória. Esqueceu-se a tradição e a cultura da manhã do dia de Todos os Santos e passou-se para o 2º Carnaval do ano, o Halloween, herança americana, na véspera do dia 1. Querem agora ir mudar as mentalidades de quem vive na velha Europa, de cultura enraizada, para as atitudes massificadas do jovem país do outro lado do Atlântico.
Provavelmente arriscam-se a ficar a tocar à campaínha, desesperados por perguntar por um doce ou travessura, enquanto do outro lado espreita um olho aterrorizado (estremunhado, vá).
No dia seguinte as noitadas da juventude ressentem-se no corpo, enquanto a geração mais tradicional ruma à missa e depois a recordar os seus entes queridos, já desaparecidos. E provavelmente alguém também recordará que faz amanhã, dia de Todos os Santos, 252 anos que Lisboa adormeceu sob os seus próprios escombros.